quinta-feira, abril 28, 2011

Eu e Vó Divina

Desde que nasci eu e ela, ela e eu compactuamos dos mesmo sonhos do mesmo destino. Sempre gostei de seu cabelo branco do seu vestido florido e de seu modo manso de ver a vida pela janela singular das coisas.
Sua casa era uma casa antiga assim como os anos que se passaram tão devagar sobre ela, suas dores e ressentimentos caiam pouco a pouco assim como as árvores do fundo do seu quintal. Em uma tarde de inverno quando tinha 3 anos foi minha primeira visita solitária por entre as estantes de livros, tudo era tão grande e o mundo caia em cima de mim, os gatos eram bravos e o bolo de fubá quente demais, me habituei com os anos sobre as estranhezas daquela casa tão minha da poeira ao silêncio, da cultura a solidão tudo era impar.
Nos pontos aprendi tantos, entre os rococó, segredo, ponto cheio, as tardes eram nossas entre os gatos e as poltronas de veludo vermelho e ela sempre surpreendia entre um ponto e outro com uma poesia para arrematar o coração. E depois logo mais um bolo de rosas, sim, bolo de rosa, não me pergunte a receita, é coisas de família.
E quando criei asas resolvi bordar nas árvores, as mangueiras eram minhas e cada uma tinha um nome assim como as galinhas e pedras, tudo naquele grande quintal tinha nome, só não dava nome nas coisas sem graça! O regador tinha nome e a pedra que escondia o tatu também. A pareira. Fruta do Conde, Goiabeira, Baboseira, alecrim, romã tudo era meu domínio tinha gosto de aconchego de mansidão. Quando eu corria livre fingindo voar, ela sempre observava com olhar longe, talvez quisesse deixar livre enquanto eu ainda poderia ser assim.
Em tardes frescas sempre vinham as histórias do jardim ou não alimente demais as galinhas. Ela dizia que ouro demais para elas fazia mal. Ela sempre me narrou que aquelas galinhas eram de ouro por isso comiam milhos dourados. Tudo naquela casa e naquele quintal soava como se fosse mágico.
Minha Vó, tinha uma fé em tudo que era bom e era de Deus, uma fé impar, falava sobre as várias religiões e superstições, acreditava em Et e na força positiva do amor. Eu sentava com vários livros para entender Deus com 10 anos e não entendia nada sobre tudo aquilo, mas, de alguma forma acreditava que um dia entenderia...E como entendi anos mais tarde. Ela me ensinou a fé.
Era simples em essência e grande em pessoa, não sei como fazia isso.. colocava qualquer roupa, se comportava de uma forma natural e articulada não precisava falar que ela mandava, ela era e pronto, minha vó era melhor que Clarice. Escrevia coisas rotineiras que as pessoas achavam sem brilho, eu sempre achei de tamanha sensibilidade.. escrevia sobre pardais e memórias sobre flores e causos, sobre a vida...
Quando mais adulta narrou sua vida suas façanhas e sempre me dizia que eu era maior sempre maior cada vez que me via era mais gigante. Falava da força interna que devemos ter. Ela compreendia o humano no olhar, adivinhava a essência humana, e não era preciso tarot e ching, mãos e histórias. Ela entendia da humanidade do humano.
Ela entendeu do amor como ninguém amou o mesmo homem por mais de 80 anos e nunca amou mais ninguém, era como se a Davina fosse Divina para ter tanto amor assim... Em uma das conversar sobre amor disse
Amor Juliana, é como suicídio morresse um pouquinho todo dia, mas quando morresse ganhasse mais vida.
Pensei nisso por muito tempo... Ela amou.. E como amou por este amor foi capaz de tudo. Mudar o mundo o seu mundo. Criar filhos ve-los morrer. Mudar de casa. Mudar de pensamento, e até mesmo calar. Faleceu no dia dos namorados por ironia ou concordância. Não sei ao certo.
Sei que amo aquele cabelo branco, aquelas palavras certas e os teus versos e desenhos e hoje sou verso poesia prosa e fé é por você Davina Divina! Amo minha amada! Ela voou para o céu, por que quem é mágico nunca morre!

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